Salvador se estende Baía adentro com as ilhas | A TARDE
Atarde > Bahia > Salvador

Salvador se estende Baía adentro com as ilhas

Verão é o ponto alto das ilhas de Maré, dos Frades e de Bom Jesus dos Passos

Publicado sexta-feira, 29 de março de 2024 às 09:33 h | Atualizado em 29/03/2024, 09:35 | Autor: Jane Fernandes
Terminal turístico da Ilha de Bom Jesus dos Passos
Terminal turístico da Ilha de Bom Jesus dos Passos -

Quando olham para a Baía de Todos-os-Santos e avistam Itaparica ao longe, os moradores da porção continental raramente lembram da existência de uma Salvador insular. Não que desconheçam as belezas das ilhas de Maré, dos Frades e de Bom Jesus dos Passos, mas geralmente pensam como lugares à parte. Entre a população ilhéu essa conexão também não costuma ser lembrada, tanto que habitualmente falam “lá em Salvador” ou “vou para Salvador”.

Nascido no continente, o barqueiro Tone da Silva Santos tinha seis meses de idade quando foi viver em Paramana, uma das praias da Ilha dos Frades. Aos 41 anos, ele deseja conhecer muitos lugares, mas sempre voltar para seu lar. Há uma década sua rotina é revelar as belezas da região para turistas vindos de outros países e de todos os cantos do Brasil.

Partindo do píer de Madre de Deus - mais próximo das ilhas do que os terminais da costa soteropolitana - cerca de 50 barqueiros vivem dessa navegação na Baía. Tone hoje é um empreendedor do setor turístico (@tonepasseiosmaritimos), alavancado pelo trabalho do seu filho no marketing da empresa, área na qual está fazendo uma graduação a distância.

O Verão é o ponto alto da visitação, mas o interesse não acaba com ele, basta ver como a praia de Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe estava cheia na última terça-feira. Na descida do mirante, onde fica a igreja em homenagem à santa, um trio de idosas falava inglês, um casal revelava ser de outro estado nordestino, e um grupo numeroso buscava “la mirada”. Enquanto isso, casais e pequenos grupos aproveitavam as piscinas naturais entre Ponta de Nossa Senhora e Loreto.

Administradas pela Fundação Baía Viva, as ilhas dos Frades e de Bom Jesus não permitem o funcionamento de barracas na areia da praia, então os antigos barraqueiros atendem em restaurantes anexos aos píeres. A exceção é Hamilton Moreira, 66, nascido na Ponta de Nossa Senhora, onde pretende viver até seu último dia. Ele não aderiu ao novo modelo, então vende bebidas sob um toldo e recebe os clientes para almoço na varanda de casa.

Com culinária autoral, o restaurante Preta (@restaurantepreta) é um atrativo a mais para quem visita a porção insular de Salvador. Antes sediada na Ilha de Maré, a chef Angeluci Figueiredo foi para a Ilha dos Frades há seis anos e abre as portas mediante reserva antecipada. Ela ressalta os desafios de estar ali, onde tudo e todos dependem de barco para chegar, mas garante que a paixão compensa qualquer dificuldade.

“Quando eu penso nas receitas, eu penso sempre em tudo que eu posso encontrar ao meu entorno. Então se as pessoas das ilhas produzem alguma coisa, vendem coisas... o marisco, o peixe, eu compro do pessoal da ilha. Tem coisa que eu não tenho como, porque eu tenho de trazer de maricultura, tenho de trazer de Salvador”, comenta a chef.

Nas cozinhas mais tradicionais, as marcas dos ingredientes em abundância na região também aparecem, mesmo que às vezes remetam ao passado. É o que acontece no João do Pirão (@restaurantejoaodopirao), onde o cardápio rico em moquecas também apresenta pratos baseados em fruta-pão. Segundo a equipe da cozinha, é herança de uma época na qual o fruto era farto na ilha.

Menor em extensão territorial e com densidade demográfica bem superior, Bonja, apelido da ilha, abriga várias casas com fachada cheias de personalidade, tanto que muitas delas têm um nome. A população se desloca de uma ponta a outra usando bicicletas e motos - menos frequentes -, e conserva a tranquilidade de poder sair para dar uma volta deixando a porta aberta para entrar um ventinho.

É assim com Evilásia da Silva, 46, e seus cinco filhos, com idade entre 17 e 27 anos, quase todos morando com ela. O mais velho trabalha em uma das maiores pousadas da ilha, enquanto o mais novo sonha em ser jogador de futebol, então sempre viaja para participar de ‘peneiras’. A marisqueira incentiva o caçula a ganhar asas, enquanto planeja envelhecer na ilha onde nasceu.

Situada em outro ponto da Baía de Todos-os-Santos, a mais populosa das ilhas de Salvador ainda não recebe tantos turistas, mas demonstra sua importância ao denominar o subdistrito insular de Salvador. Na Ilha de Maré quase tudo reflete a presença do seu território quilombola, formado por cinco comunidades. Entre os 1181 habitantes da ilha, 1170 se declararam quilombolas, segundo o Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Mesmo enorme, essa dimensão histórica e cultural não alcança todos os moradores locais. Um exemplo é o empreendedor Rosinildo Santos de Freitas, 43, residente de Botelho, onde não percebe essa herança quilombola. Com filhos de 23 e 13 anos, sua expectativa é uma melhoria na infraestrutura turística, para que suas embarcações sigam mais para a Ilha de Maré do que para as outras duas ilhas de Salvador.

Tone da Silva, 41, morador de Paramana e dono de empresa de passeios pela região da Ilha dos Frades
Tone da Silva, 41, morador de Paramana e dono de empresa de passeios pela região da Ilha dos Frades |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Jovens querem sair, mas população tem aumentado

No meio do dia, o grande número de adolescentes fardados nos píeres chama a atenção na região das ilhas dos Frades e de Bom Jesus dos Passos. Quando concluem o 5º ano do ensino Fundamental, os estudantes dependem do transporte escolar oferecido pela Prefeitura de Salvador para assistir às aulas em Madre de Deus. Na Ilha de Maré, onde tem escola até o 8º ano, alunos do Ensino Médio (EM) têm transporte gratuito com destino à parte continental de Salvador.

Maria Clara Monteiro Santiago mora em Paramana, cursa o 2º ano do EM na rede privada e também utiliza o transporte marítimo da Prefeitura, que não é exclusivo da rede pública. Aos 15 anos, ela confessa que já teria ido morar com algum parente “em Salvador” se a mãe deixasse, mas combinaram de esperar o momento dela se preparar para o Enem e buscar uma vaga na faculdade de medicina.

O desejo do barqueiro Tone da Silva Santos coincide com o do filho de 20 anos, ambos consideram que sair da Ilha dos Frades abre mais possibilidades profissionais, além de conduzir os barcos do pai e fazer o marketing da empresa. Já Rosinildo diz não saber os planos dos dois filhos, apenas tem certeza da vontade de ver seus descendentes continuarem na Ilha de Maré.

Um sinal da permanência de representantes das novas gerações, provavelmente somado a um fluxo ‘migratório’ do continente para as ilhas, o subdistrito de Maré - formado pelas ilhas dos Frades, de Bom Jesus dos Passos e de Maré - foi na contramão da média soteropolitana e registrou crescimento na população. Conforme divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de habitantes aumentou 2% entre 2010 e 2022.

Um cenário de descoberta de novos horizontes na Salvador insular é reforçado pelo interesse crescente nas paisagens e histórias das três ilhas, cada um à sua medida, e está refletido em outro dado do IBGE, que indica um incremento de 31,3% no total de domicílios do subdistrito de Maré.

COMO CHEGAR

Ilha dos Frades e a Ilha de Bom Jesus dos Passos: o mais indicado é ir por terra até Madre de Deus e embarcar no píer da cidade em um dos passeios para a região, que muitas vezes incluem Itaparica. Nos píeres das ilhas soteropolitanas ocorre a cobrança de uma taxa ambiental no valor de R$ 25,00 por pessoa.

Ilha de Maré: as embarcações partem de São Tomé de Paripe e a passagem custa R$ 10,00, mas os horários são incertos.

Publicações relacionadas